Essa era uma rota percorrida diariamente por Eliana Hashimoto, 46, durante a infância. De Agatha Christie a Sherlock Holmes, devorava um livro policial atrás do outro. “Eram meus preferidos. Na época, livros também eram muito baratos e vendidos nas bancas de jornal. Eu comprava todos”, relembra ela.
Natural da cidade de Cajati, Eliana dedicou-se à enfermagem até os 29 anos de idade, quando foi afastada da profissão devido a um diagnóstico de retinose pigmentar. Sua visão foi diminuindo aos poucos, até estacionar. Foi assim que ela passou a se enquadrar entre os cerca de 6 milhões de brasileiros com baixa visão. Mesmo aposentada, porém, Eliana seguiu mais ativa do que nunca, sempre envolvida em ações de militância pela inclusão da pessoa com alguma deficiência – incluindo a visual. Tampouco abandonou o contato com os livros.
Ela conta que, de início, a leitura se tornou um problema. “Consigo identificar letras grandes, mas elas não são mais como antigamente, têm muitos detalhes e depois de algumas páginas fico bem cansada”, explica. A solução apareceu quando Eliana, por meio da Associação Beneficente São Lucas, descobriu o audiolivro ou livro falado, com um acervo que incluía títulos produzidos pela Fundação Dorina Nowill para Cegos. “De início, achei difícil me concentrar nas histórias apenas ouvindo, mas fui me acostumando e hoje escuto um depois do outro”, afirma.
Foi por isso que, ao saber da oficina sobre leitura digital acessível que a Rede de Leitura Inclusiva da Fundação Dorina promoveria na cidade de Bragança Paulista, em 15 de junho, com o apoio da Secretaria de Cultura e Turismo, Eliana não deixou de comparecer. Chamou a atenção da leitora o predomínio de educadores presentes no evento, bem como a apresentação do programa de leitura acessível criado pela Fundação Dorina, o DDReader. “Acredito que a oficina foi destinada ao público certo. Além do debate sobre o acesso à leitura para todos, penso que o DDReader supre uma demanda de estudantes com deficiência visual, que precisam marcar e buscar trechos de textos longos, recursos que ainda não encontramos de forma tão acessível em programas tradicionais”, observa ela.
Um dos educadores presentes à oficina foi a pedagoga Cecilia Jorge, 59, que atende alunos com deficiência visual na Associação São Lucas e foi quem convidou Eliana para o encontro. Cecilia, que também atua com outras deficiências na Rede Municipal, trabalha desde Orientação e Mobilidade com seus alunos, que visa a locomoção independente da pessoa com deficiência visual, até o ensino do sistema Braille e o estímulo de quem tem baixa visão. “É importante que o aluno com alguma parcela de visão aprenda como utilizá-la da melhor forma possível. No caso da leitura, geralmente começamos com letras maiores e, aos poucos, vamos reduzindo, de modo que a pessoa se adapte ao tamanho que realmente é ideal para ela”, explica a pedagoga.
Cecilia recebeu um convite da Secretaria de Cultura para a oficina em Bragança Paulista. Ela ainda não conhecia o DDReader e está animada para explorar as ferramentas do programa com os alunos. “Não é só a pessoa com deficiência visual total que ainda sofre com a falta de livros acessíveis. Quem tem baixa visão também enfrenta dificuldade para acessar títulos em condições ideais de leitura, mesmo na era digital, e o DDReader vai de encontro à essa demanda com as opções de ampliação e contraste da letra”, declara a pedagoga.
Nova página
“A leitura sempre fez parte da minha vida, minha casa é cheia de livros. Também sempre incentivei minha filha Carina a ler e hoje ela escreve textos dos mais diversos gêneros”
O depoimento é da também pedagoga Alessandra da Costa, 38. Alessandra nasceu com deficiência auditiva unilateral e já atendeu de alunos surdos a estudantes com deficiência visual e intelectual pela Rede Municipal de Cajati. A vida profissional da educadora iniciou em 1999, mas ela parou de estudar. “Emendei uma pós-graduação e curso atrás do outro, inclusive no segmento da educação especial”, conta.
Em 2011, Alessandra assumiu a coordenação pedagógica de uma das maiores escolas do município, sempre buscando uma educação inclusiva junto aos professores e familiares. Em 2015, retornou à sala de aula, mas no mesmo ano, recebeu a notícia de que deveria abandonar o posto devido ao agravo de sua deficiência auditiva. O episódio, porém, não refreou Alessandra. “Iniciei uma nova página. Recebi um convite do Departamento de Educação para mediar a inclusão de alunos com deficiência em toda a Rede Municipal”, relata a pedagoga.
Apesar de se comunicar pela Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), Alessandra não precisou de um intérprete durante a oficina em Bragança Paulista, já que ainda possui um resquício auditivo. Quanto à experiência de debater sobre leitura acessível e de interagir com recursos em prol dessa causa, não apenas enquanto uma pessoa com deficiência, mas, também, como educadora de alunos cegos e com baixa visão, Alessandra afirma: “O verdadeiro conhecimento é aquele que se compartilha e é usado para melhorar a vida das pessoas”.
Dorinateca
Se você é uma pessoa com deficiência visual, escola, biblioteca ou associação que busca a leitura acessível e o conhecimento que ela pode gerar, confira o portal de leitura da Fundação Dorina, o Dorinateca, que disponibiliza um acervo para download gratuito nos formatos Daisy, audiolivro e para impressão em Braille – incluindo os 12 títulos do projeto Leitura Digital Acessível. Se atende ao público do portal, basta criar sua conta e aproveitar a leitura!