O ambiente é vibrante. Estou em grupos de bate-papo formados por pessoas com deficiência com centenas de pessoas em que mandar áudio de “Bom dia” é liberado. Também há outros sobre tecnologia assistiva avançada e discussão sobre direitos das pessoas com deficiência, filmes com audiodescrição, educação inclusiva, moda e maquiagem.
Aos poucos começo a descobrir quem está fazendo vídeos para contar sobre os desafios que enfrentam e as descobertas que têm feito sem enxergar. Já há pessoas com deficiência visual colocando no cartão de visita “influencer”.
As conexões fluem com cada vez mais facilidade. Os celulares estão vindo cada vez mais preparados, os aplicativos das grandes empresas vêm se tornando mais acessíveis, apesar de ainda poderem melhorar em muitos casos, e o conhecimento sobre como usá-los está se disseminando entre diversas gerações. Além disso, o universo virtual está livre das barreiras físicas que, para muitos, podem dificultar o ir e vir e ser um empecilho para novos encontros.
A inteligência artificial também ganha espaço nas redes, principalmente no Facebook e no Instagram. Com frequência, os algoritmos conseguem identificar quantas pessoas estão na foto, se alguém está sorrindo, e se há um animalzinho, por exemplo.
Mas, apesar de todas as novas possibilidades, a conexão nas redes por vezes ainda é falha e excludente. E talvez você possa fazer algo a respeito.
Vale lembrar. Pessoas com deficiência visual usam o celular com o apoio de leitores de tela, programas que leem o que é exibido pelo aparelho. Com isso, tudo fica bem fácil. Se estou vendo um post em uma rede social e deslizo o dedo para a direita, passo para o seguinte.
vamos testar juntos.
Abro meu Instagram. Na primeira foto, o algoritmo de reconhecimento da rede diz que a imagem pode ser de um drinque. Não há nenhum texto escrito pelo meu amigo acompanhando ela. Passo.
Próxima. Uma prima postou algo que o robô só conseguiu dizer que era uma imagem de texto. Ela escreveu como comentário “Assim é mais divertido”. Assim o quê? Não me diverti dessa vez.
Chego agora em uma imagem que, diz o robô da rede social, pode ter duas pessoas e um texto. O comentário da usuária diz “se inscreva”. Como não sei de que se trata, não me senti convidado. O leitor de telas tem dificuldade para identificar para mim os textos que estão em imagens.
Um meme. A inteligência artificial da rede diz que há um texto escrito “Planeta ficou doente porque está com a humanidade baixa”. Curti. Ponto para os robôs.
Mais uma. A moça conta no texto que acompanha a foto que está de bíquini na imagem. Explica porque é importante para ela dividir o clique e sobre os avanços na busca gradual por desenvolver sua autoestima. Entendi de que se trata e achei o texto bonito. Curti.
Agora uma foto postada pelo Milton nascimento. O sistema me conta que é uma imagem em preto e branco em local aberto. No comentário, diz “Frases que o vento vem as vezes me lembrar”. Fiquei me perguntando se seria o trem azul da canção. Desculpa, Bituca, não curti dessa vez.
Cada deslize da tela é uma surpresa. Será que vou conseguir saber de que se trata a próxima postagem? Hoje, recebemos só parte das informações, somos convidados só para algumas das conversas.
Bom que as empresas responsáveis pelas plataformas estejam atentas e automatizando as descrições. Mas fico só preocupado de as pessoas pensarem que, pela inteligência artificial já estar fazendo o trabalho, não é preciso contar de que se trata na hora de postar.
Penso que as redes fariam um grande serviço se deixassem cada vez mais explícita na hora em que o usuário vai compartilhar uma imagem a orientação de que, se ele fizer uma descrição da foto com suas palavras, vai se comunicar com mais gente.
Algumas vezes já me peguei constrangido de pedir que me fizessem descrições em materiais de uso profissional ou em grupos de amigos. Não deveríamos pensar assim, mas a verdade é que, para a pessoa com deficiência, por vezes fica a sensação de que está sendo o chato da vez ao pedir algo feito só para ela ou que está dando um trabalho a mais.
Para que tudo fique mais leve, é melhor olhar a história de outro ângulo. Que tal se todos adquirissem o hábito de fazer uma descrição do que postam sempre? Aí ninguém iria pensar: “Ah, o João descreve as imagens que ele posta porque tem aquele amigo cego” ou “ele faz isso porque trabalha com inclusão”. Deveríamos pensar “ele descreve porque é um rapaz informado”..
O hábito de contar o que está nas imagens só vai se disseminar se virar uma questão de moda ou etiqueta cibernética. Se você leu esse texto até aqui, saiba que se eu te ver postando uma foto sem descrição vai ser que nem se tivesse te encontrado andando na rua de pijama ou mastigando com a boca aberta, estamos combinados?
Uma dica para disseminar a ideia é usar as hashtags #PraCegoVer ou #ParaTodosVerem. Não tenha vergonha. Dar acessibilidade para suas fotos só vão deixá-las mais bonitas.
Filipe Oliveira Blog Haja Vista Histórias de um repórter com baixa visão
Postado com autorização do autor